Os militantes personificam, se bem que frequentemente nem reparem nisso, um modo de pensar que remonta, no mínimo, às antigas esperanças messiânicas de Israel. A capacidade de não considerar como definitiva a realidade atual nasce da confiança de que uma realidade mais perfeita não é só desejável, mas possível. No Israel antigo, essa confiança se adensou em crença numa era messiânica a devir, em que leão e cordeiro se deitavam juntos cristã, essa mesma convicção levou os primeiros seguidores de Jesus a encarar a colossal e, supostamente, eterno império romano, não como realidade irreversível a que tivessem de acomodar-se, mas como um fenômeno destinado à extinção. Nem estavam interessados em ressarcir o sistema, porém em preparar-se para uma realidade superior, prestes a suplantá-lo.
Durante muitos séculos, assumiram os cristãos uma atitude bem passiva com relação ao novo céu e à nova terra a devir. Aconteceria quando Deus estivesse disposto. Mas, a começar com pequenos grupos, durante o período medieval, e culminando na radical Reforma do século XVI, essa atitude paciente sofreu uma mudança fundamental. Foi quando alguns cristãos chegaram à conclusão de que não bastava esperar e rezar pelo advento da nova era, mas cumpria levá-la ativamente a efeito. Resultou essa nova convicção na abortada revolução dos camponeses, no início do século XVI. O fato de subsequentes revoluções ocidentais assumirem muitas vezes feições anticlericais e anticristãs não deveria aduzir-se para turvar as fontes do ímpeto original. A convicção de que às atuais estruturas políticas não se deva atribuir validade definitiva, e que uma nova realidade seja possível, procede, em sua origem, da fé bíblica. Se o Cristianismo se demonstrou tantas vezes contra-revolucionário, no decurso de sua história, denuncia esse fato que ele se desviou drasticamente de suas origens. A tradição utópica radical em política, tão secularizada que se tenha tornado recentemente, é um rebento da religião.
Harvey Cox
em seu livro A Festa dos Foliões via