Na história da literatura, ninguém superou a Leon Tolstoi na habilidade de retratar a completa essência da vida. Virgínia Woolf expressou assim:
Nada parece lhe escapar. Nada passa diante dele sem ser registrado (...) Cada folha, cada pena é atraída por seu ímã. Ele nota o azul ou o vermelho das vestes de uma criança; a maneira como o cavalo abana sua cauda; o som de uma tosse; o ato de um homem colocar as mãos num bolso que já foi remendado. Quando seus olhos infalíveis registram uma tossidela ou a habilidade de mãos, seu cérebro infalível se refere a algo escondido em seu caráter, de modo que passamos a conhecer quem são seus personagens não apenas através da maneira como eles amam ou como vêem a política ou até a imortalidade da alma, mas também pela maneira como eles assoam o nariz e ficam sufocados. Sentimos como se fôssemos colocados no topo de uma montanha e tivéssemos um telescópio ao alcance de nossas mãos.
Um dos biógrafos de Tolstoi comentou que quando terminou de ler Guerra e paz e voltou "à vida normal", teve a sensação de voltar a algo mais pálido e menos verdadeiro do que a própria arte de Tolstoi. Tive exatamente a mesma experiência. Meu mundo criou vida nos romances deste escritor, separado de mim por metade do mundo e por quase um século. Quando Tolstoi descreveu a primavera, a maravilha das delicadas flores desabrochando pela tundra que derretia, atribuiu à mesma exuberância o significado que deu à descrição do êxtase religioso. Ao fazer isso, ele me ensinou como ir além de mim mesmo.
Hoje, quando olho para trás e vejo o claustro religioso em que cresci, fico pensando se talvez não estivesse sofrendo de uma disfunção narcisista (talvez todos os adolescentes sofram disto, não é?). Via o mundo através das venezianas fechadas da igreja e da família, sem a capacidade de projetar fora de mim e compreender outros pontos de vista. Tolstoi abriu as cortinas, mostrando para mim um mundo do qual não conhecia nada. De maneira especial, ele criou em mim compaixão pelos pobres. (Ps: não sou marxista)
Juliano Fabricio
um mosaico de inabilidades
Ps1: Só espero não morrer como Tolstoi morreu
Ps2: Leia Tolstoi e conheça esse universo escondido...