[...] Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso [...].
(Alberto Caeiro – O guardador de rebanhos).
Nós homens somos herdeiros de uma tradição cultural e doutrinária que apostou todas as “suas fichas” naracionalização como critério para verdade. Isso produziu uma desconfiança com relação à vida emocional e afetiva, criando um fosso entre a “cabeça” e o “coração”. Dessa forma passamos a acreditar que tudo que vem do “coração” (os afetos principalmente) deve ser evitado. Nesse sentido damos ênfase à educação das habilidades totalmente dependente da razão.
Será que essa aposta na suficiência da razão e das habilidades é mesmo suficiente para a formação de nosso ser, de nossa masculinidade? Não seria necessário articular às habilidades também as sensibilidades? Uma educação das sensibilidades, isso nos parece urgente. Um processo educativo que aceite o desafio de articular habilidades e sensibilidades para a formação integral de nossa masculinidade.
Contudo, para aderir a tal compromisso é preciso fazer como sugere o poeta: Procuro despir-me do que aprendi/ Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram/ E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos/ Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras.