A primeira coisa é você não enganar a si mesmo; e ninguém você engana com mais facilidade do que a si mesmo.
Richard Feynman
O Jesus dos evangelhos é um sujeito inteiramente livre desse condicionamento neurótico e neurotizante. Para perplexidade de todos, ele tratava todos como gente, sem oferecer descontos e sem controlar débitos. Para ele não fazia diferença se você era uma prostituta ou um rei, um religioso venerado por todos ou um leproso banido de todas as convivências, um sacerdote de ficha limpa ou um recolhedor corrupto de taxas governamentais. Todos ele tratava a partir não de créditos ou débitos, mas de um lastro de humanidade comum, sem barganhas e sem condescendência.
Porém Jesus não ignora que para deixar de julgar os outros é preciso que abandonemos as nossas próprias culpas e neuroses: é preciso que deixemos de julgar a nós mesmos, abandonando o papel de feitores da nossa própria servidão.
Este é o sentido da chegada anunciada do reino de Deus, um domínio de mudança de vida/metanoia porque nele todos os débitos que vigoravam anteriormente se veem miraculosamente perdoados. O resultado esperado do perdão universal dos débitos é uma vida de integral humanidade para todos os homens. Quem não deve nada a ninguém não precisa provar nada a si mesmo: pode viver finalmente livre dos demônios da culpa e da neurose.
Essa é uma vida tão nova que deve ser aprendida e inteiramente recolonizada.
Será necessário olhar ao redor de modo a encontrar e assimilar novos modelos. Olhar as aves do céu, que não acumulam recursos e não perdem nada com isso. Deixar de chamar de rico a quem enterra tesouros, e passar a chamar de rico o vagabundo que passa a tarde sobre a relva ouvindo a música das flores. Deixar que passem boiando gordas oportunidades pelo rio da vida, e aprender a lamentar a sorte dos infelizes que vão querer pescá-las corrente abaixo. Deixar de pensar em termos de escassez, e passar a chamar Deus de Pai. Deixar de se preocupar com o dia de amanhã; não porque vai dar tudo certo, mas precisamente porque a preocupação nada garante e nada remedia: basta a cada dia o seu mal.
As parábolas de Jesus, praticamente todas elas, exploram aspectos dos desafios da vida no reino de Deus: uma vida de amor fruido e não condicionado, livre de desejo e de temor, livre de julgamentos e de neuras.
Título original: O CUSTO DA OPORTUNIDADE
Surrupiado do @saobrabo via: baciadasalmas