Ele faria 69 anos no domingo que vem; aos 28, atormentado pelas torturas que sofreu, entregou a alma nos braços de Deus
Frei Betto, em O Globo
No próximo domingo, ele faria 69 anos. Aos 28, no sul da França, subiu em um muro, enlaçou o galho de um álamo, envolveu a corda no pescoço e se jogou nos braços de Deus. Estava livre das torturas que o atormentavam.
Nas palavras do cardeal Arns, em missa solene, ao receber seus restos mortais de volta ao Brasil, em 1983, “Frei Tito não se suicidou. Buscou, do outro lado da vida, a unidade perdida deste lado.”
Seu “crime” foi conseguir o sítio que, em 1968, abrigou em Ibiúna, no estado de São Paulo, o congresso clandestino da UNE. Preso em novembro de 1969, acusado de apoio logístico à ALN comandada por Carlos Marighella, Tito sofreu torturas no DEOPS (choques, pau-de-arara, pancadas), em mãos do delegado Fleury.
Em fevereiro de 1970, preso o dono do sítio de Ibiúna, a repressão descobriu que Tito solicitara o local para o congresso. Embora sob custódia da Justiça Militar, o juiz Nelson Guimarães o entregou aos capitães Maurício Lopes Lima (o mesmo que torturou a presidente Dilma Rousseff) e Benoni Albernaz, do DOI-CODI paulistano.
Durante três dias, equipes de torturadores se revezaram para massacrar frei Tito: cadeira do dragão, choques, cigarros acesos na pele. De paramentos sacerdotais, o torturador gritava: “Abre a boca para receber a hóstia sagrada!” E introduzia os eletrodos.
Queriam obter-lhe a confissão de que os frades dominicanos haviam participado de assaltos a bancos. Acuado pela pressão do exterior, o governo Médici precisava justificar a sanha repressiva sobre os religiosos acusados de “terroristas”. E forçar as autoridades eclesiásticas a expulsá-los da Igreja.
Tito não cedeu. No limite da dor, viu-se obrigado a escolher entre a capitulação e a morte. Abriu com gilete a artéria do braço esquerdo. Os algozes o socorreram a tempo, receosos da repercussão no exterior. O capitão Albernaz predisse: “Você não falou, mas jamais esquecerá o preço de sua valentia.”
Incluído na lista dos presos políticos a serem trocados pelo embaixador suíço, sequestrado em dezembro de 1970, Tito foi banido do Brasil no mês seguinte. Rumou do Chile para a Europa. Nas ruas de Paris, avistava seus torturadores, escutava os gritos de seus pais sob torturas, pressentia o perigo em cada esquina. Fleury lhe era onipresente.
Transferiu-se para o nosso convento rural em L’Arbresle, próximo a Lyon, por recomendação de seu psiquiatra. Empregou-se em uma vinha, como medida laborterápica. A 10 de agosto de 1974, encontraram seu corpo balançando entre o céu e a terra.
Tito inspira obras de arte: de Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meireles, a biografia, “Um homem torturado”; de Socorro Acioli, o relato biográfico “Frei Tito”; de Raniero La Valle, “Fora do Campo”.
De Marlene França, o filme “Frei Tito”. Caio Blat o encarnou em “Batismo de sangue”. Adélia Prado dedicou-lhe o poema “Terra de Santa Cruz”; Oriana Fallaci, o livro “Um homem”. Licínio Rios Neto, a peça “Não seria o Arco do Triunfo um Monumento ao Pau-de-Arara?” e, Solange Dias, “Tito”.
Hermilo Borba Filho e Clara de Góes também homenageiam Frei Tito em obras literárias.