A mensagem de gentileza e inclusão do Jesus dos evangelhos não gerou inevitavelmente a Inquisição e as cruzadas, do mesmo modo que o Corão não gerou inevitavelmente a tolerância religiosa, inventada pela sociedade islâmica num mundo que tinha conhecido séculos de intolerância cristã. Homens não precisam de seus livros sagrados para justificar a violência, e se for para justificar a gentileza vão encontrar argumentos até mesmo fora de seus livros sagrados.
Do mesmo modo que a narrativa cristã gerou no ocidente diferentes tradições, há dentro do Islam inúmeras vertentes e inclinações.
Resta, porém, que o ocidente é portador de outro grande mito orientador, um mito cristão no sentido de originado no Jesus dos evangelhos. É um mito singular em que sua força reside na sua fraqueza, na sua completa e irrestrita rejeição do mito de violência redentora.
Falo, naturalmente, da disciplina da não-violência, da herança da gentileza e da inclusão, das propostas de subversão e contracultura do Sermão do Monte. Falo da hashtag #todoserhumanomerepresenta.
De acordo com esse mito alternativo, a singularidade de mensagem cristã está em ter inventado uma narrativa (e portanto um mundo) de gente que não acredita em retaliação. Nenhuma violência é legítima, mas como todo ser humano nos representa, cada um é condenável por todas. Antes de atirar a primeira pedra cada um pesa a pedra que tem nas mãos, e no resultante embaraço comum nenhuma violência é desferida. De acordo com esse mito alternativo, todos estão perdoados quer dizer que todos devem estar prontos a responder pelas mancadas de cada um.
De acordo com esse mito alternativo, ser cristão é não acreditar na retaliação.
O Jesus dos evangelhos, em palavras e atos, foi o grande demolidor original da ideia da retribuição. Sua primeira declaração pública foi um absolutamente sem precedentes perdão universal dos pecados, e através dele Jesus queria criar menos uma nova religião do que uma nova sociedade, um novo homem e um novo modo de vida. Uma sociedade em que todos se creem irrestritamente perdoados é uma sociedade sem culpa, sem recalques e sem medo de retaliação. O reino de Deus é essa sociedade em perpétua reconstrução, em perene aprendizado do que representa não ter medo da retribuição e não ter qualquer vontade de impô-la aos outros.
É da invenção ou da revelação de Jesus um Deus que neste mundo não dá preferência e não retribui, oferecendo o mesmo sol, a mesma chuva e o mesmo tratamento a grandes canalhas e a grandes santos – e, como se não bastasse esse escândalo, requer de nós essa mesma desconcertante ausência de critério.
Título original: COMO NÃO TER MEDO DO TERRORISMO