Não entendo os barulhos do carro.
Afora a luz obrigatória da gasolina, ignoro o que significam os símbolos menores do painel. Eu ainda me confundo ao disparar o limpador de para-brisa.
Não foi uma vez que saí com farol alto em vez dos normais e recebi advertência dos outros motoristas. Não me pergunte qual a calibragem dos pneus, está anotado em algum lugar.
Metade do manual do veículo é desconhecido para mim. Falei metade, mas metade é otimismo.
Quase não troquei pneu na vida, o macaco hidráulico não recebeu graxa de minha mão.
Uso carro, não moro no carro.
Se surge um barulho diferente, não sou como meus amigos que logo arriscam um diagnóstico:
— São as pastilhas dos freios.
— É a embreagem.
— Pode ser as cruzetas.
Admiro o dom mecânico dos colegas. Não alcanço nem o que é cruzeta para participar do leilão de hipóteses e mentir vantagem.
Diante de falhas, abandono o carro na oficina e não questiono o orçamento.
Na rua, um ladrão é capaz de levar a estepe do porta-malas que nunca notarei o furto.
Em compensação, sei reconhecer a tosse de meus filhos em enfermaria lotada.
Sei reconhecer o choro de meus filhos em praça pública.
Sei reconhecer o riso dos meus filhos em pleno alvoroço do dia a dia.
Os filhos são a universidade do meu instinto. Decorei seus timbres da dor ao entusiasmo, do berro à gargalhada.
Meus ouvidos são caseiros. Meus ouvidos são cardíacos. Meus ouvidos são caninos em casa.
São alguns anos acordando e assistindo eles dormirem pela manhã, antecipando seus desejos, adivinhando seus rancores, repondo as cobertas dos meus filhos na madrugada.
Pelos silêncios e omissões, identifico quando experimentam a alegria de uma novidade.
Pela maneira de abaixarem a cabeça, percebo quando pedem ajuda.
Pela pressa do almoço, vejo sua displicência e vontade de voltar aos brinquedos.
A duração do seus bocejos denunciam a insônia. O olhar parado no copo revela o descontentamento com o dia.
Sofro com seus possíveis sofrimentos. Eu me preocupo como será no tempo da escola, se suportarão boicotes ou serão amados, se estarão comendo o suficiente, se estarão felizes.
Junto pressentimentos, sonho rumores, advogo sinais.
Sou mais pai do que homem.
Adaptado por Juliano Fabrício via Carpinejar
Vanessa disse...
...que lindo isso...e as nossas crias agradecem o seu "ser tão pai"...e eu agradeço o seu "ser tão amante"...te amamos...