Naquele momento os discípulos chegaram a Jesus e perguntaram: "Quem é o maior no Reino dos céus?" Chamando uma criança, colocou-a no meio dele, disse: "Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus. Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus. Mateus 18:1-4
Não há dúvida de que é necessário aprender a ser como uma criança para entrar no reino. Mas para se captar todo o vigor da expressão "como crianças", nós precisamos perceber que a atitude judaica para com as crianças no tempo de Cristo era drasticamente diferente daquela que existe hoje. Temos a tendência a idealizar a infância, vê-la como a idade feliz da inocência, despreocupação e fé simples. Na comunidade judaica dos tempos do Novo Testamento, a criança era considerada sem nenhuma importância, não merecendo nenhuma atenção ou favor a criança era considerada com desprezo.
Para o discípulo de Jesus, ser como uma criança significa aceitar a si mesmo como pouco apreciado, sem importância. Esta compreensão de nós mesmos muda não somente o modo como vemos nosso valor, mas também o modo como vemos a graça salvadora de Deus. Se a criança judia recebesse dez centavos de mesada do pai no fim da semana, ela não os consideraria pagamento por varrer a casa, lavar a louça e assar o pão. Era um presente completamente imerecido, um gesto de absoluta generosidade de seu pai.
Jesus deu a esses pequenos desprezados o privilégio de seu reino e os apresentou como modelos para os discípulos. Eles deviam aceitar o dom do reino da mesma maneira que uma criança aceita a mesada. Se as crianças eram privilegiadas, não era porque tinham merecido tal privilégio, mas simplesmente porque Deus se agradava delas. A misericórdia do Senhor fluiu para elas total e completamente em razão da graça imerecida e da preferência divina.
Outro texto importante destaca o privilégio das crianças. O hino de louvor diz: "Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado" (Lc 10:21).
A bênção de Deus recai sobre as crianças porque são criaturas desprezadas, não por causa de suas boas qualidades. Elas podem estar cientes de sua pouca importância, mas este não é o motivo pelo qual as revelações lhes são dadas. Jesus expressamente atribui a bênção que elas recebem à boa vontade do Pai, à eudokia divina. Os dons não são dados pela mais leve qualidade ou virtude pessoal. Eles são pura generosidade.
A bem-aventurança dos pequeninos, portanto, oferece uma clara compreensão do significado da bem-aventurança dos pobres. Na mentalidade da época do Novo Testamento, pobreza e infância eram consideradas com igual desprezo. No entanto, Jesus diz que Deus prefere os desfavorecidos. Deus se agrada em dar um lugar privilegiado no reino àqueles que o mundo considera os mais desgraçados.
Uma luz adicional é lançada sobre a primeira bem-aventurança, de modo surpreendente, pelo privilégio dos pecadores. Jesus está sentado à mesa na casa de Levi. Os escribas e fariseus interrogam porque Jesus come com os cobradores de impostos e pecadores. "Jesus lhes disse: 'Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores'" (Mc 2:17).
A primeira bem-aventurança, portanto, não é uma promessa ou uma ameaça. Jesus alegremente proclama o amanhecer de uma nova era, a era messiânica que veio afinal. "Vocês, pobres; vocês, nadas; vocês, de pouca importância pelos padrões do mundo — vocês são abençoados. E a boa vontade de meu Pai de lhes conceder um lugar privilegiado no reino, não porque trabalharam tão arduamente, ou porque dizem, fazem ou tornam todas as coisas certas, mas porque meu Pai quer vocês".
Juliano Fabrício na nova série #provocações
(aceitando o Convite à Loucura de Brennan Manning)