Trans­gre­dir, numa palavra, é fazer a narrativa avançar. 

Trata-se lite­ral­mente de “transpor uma linha”, “cruzar um limite”, mas não é coisa que esteja atrelada a qualquer neces­si­dade ética ou nuance moral. É devido a esse agnos­ti­cismo moral da trans­gres­são que o único valor absoluto abraçado pela narrativa é ela mesma, isto é, que a história seja contada.

Dito de outra forma, trans­gre­dir não equivale, de modo algum, a pecar; trans­gre­dir é exercer uma liberdade de escolha que é sempre terrível, porque cada escolha pode ter intenções e resul­ta­dos bons ou maus. É por isso que se diz de quem trans­gre­diu que “conheceu o bem e o mal”, porque sua escolha poderá ter resul­ta­dos bons ou ruins — ou, mais pro­pri­a­mente, porque o trans­gres­sor terá de arcar com as con­sequên­cias tanto boas quanto más da sua decisão.

Em termos nar­ra­ti­vos, portanto, trans­gre­dir equivale a viver.

Pedir um favor, dar um presente, decla­­rar amor, declarar guerra, fazer amigos e ajudar um des­co­nhe­cido — bem como atitudes puramente negativas e cau­te­lo­sas como o reco­lhi­mento e a abs­ti­nên­cia — envolvem, cada uma a seu modo, alguma moda­li­dade de trans­gres­são. O dilema moral não reside em trans­gre­dir ou não, mas em trans­gre­dir de que forma; isto é, de que forma fazer a narrativa avançar.

O médico trans­gride quando se interpõe no caminho da doença, o bombeiro trans­gride quando se interpõe no caminho do fogo; a viúva pobre trans­gride quando passa dia e noite exigindo justiça na porta da casa do juiz corrupto, e o juiz transgride quando faz justiça para aplacar a insis­tên­cia da viúva. 

Se Romeu e Julieta não tivessem trans­gre­dido, reco­nhe­cendo seu amor diante um do outro e do mundo, seus des­cen­den­tes correriam céleres e vivos entre nós em linhagens inde­pen­den­tes; porém amaram e morreram, isto é conhe­ce­ram o bem e o mal. Deus, natu­ral­mente, é o mais assíduo e mais apai­xo­nado trans­gres­sor, porque criou-nos o homem à sua imagem e seme­lhança e aqui estamos eu e você. Cada pro­ta­go­nista tem o conflito que merece.

Não devemos, portanto, cair na armadilha da serpente e procurar, nesta que é a narrativa pri­mor­dial da trans­gres­são, indícios de um pecado original, porque — não bastará nunca repetir — o pecado original não está no original. Neste que seria o momento ideal para fazê-lo, o texto irá se recusar, até o final, a chamar de pecado o que está prestes a acontecer. Daqui a um momento Adão e Eva terão trans­gre­dido e Deus dirá “agora o homem é como nós, conhe­cendo o bem e o mal”. Ou seja, o homem é como Deus no que trans­gre­diu, e não no que pecou. Com Deus e como Deus, terá de arcar com as con­sequên­cias da sua transgressão.

E, como homem, terá de arcar com as con­sequên­cias do seu pecado. O pecado no entanto, não é resultado, causa ou efeito da trans­gres­são. O pecado é injeção da serpente.

Juliano Fabricio
Um transgressor confesso.
[Texto apropriado de um certo transgressor que reside na baciadasalmas]

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